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Resumo:
O objetivo do estudo consistiu em analisar a literatura existente sobre a fraude científica e seus aspectos bioéticos. Revisão de literatura do tipo integrativa, sendo os dados coletados nas bases de dados Lilacs e SciELO, por meio dos descritores, fraude científica e plágio. Foram encontrados 7 artigos que atenderam aos critérios de inclusão. Os resultados foram categorizados em três eixos temáticos, Histórico da fraude científica; Fraude científica e implicações bioéticas; e Medidas adotadas. Concluiu-se que os pesquisadores e acadêmicos devem estar sempre revendo suas posturas éticas diante das publicações científicas. Ainda há lacunas sobre as fraudes científicas, especialmente relacionando-as aos aspectos bioéticos. Assim, esse estudo poderá contribuir para as reflexões sobre a temática.
Introdução
As fraudes científicas representam motivo de grande preocupação das comunidades cientificas nos últimos anos, implicando em violação moral e legal de direitos autorais e desrespeito com a humanidade. Em vista disso, as discussões sobre o envolvimento de questões éticas e bioéticas têm se tornado muito presentes nas produções científicas, especialmente, naquelas que envolvem seres humanos 1 .
Neste cenário, a preocupação dos pesquisadores em publicar, para atender aos órgãos científicos e agências de fomento à pesquisa a que estão vinculados, temos atormentado. Sufocados pelo lema “publicar ou perecer”, são pressionados a publicar em revistas de alto impacto, ou serão deixados para trás no âmbito da academia. Assim, sob essa constante apreensão para publicar e ascender profissionalmente, muitos pesquisadores acabam descuidando e cometendo infrações éticas 2 .
As infrações éticas que denotam a desonestidade científica compreendem desde a fabricação e exclusão dos dados, ao plágio, roubo de prioridade, inclusão ou exclusão, inadequadas de autores, perda de controle no uso de cargos ou de recursos de pesquisa, entre outros 3 .
Cabe destacar que o papel da ciência consiste em produzir novos conhecimentos, e que esses conhecimentos sejam devolvidos à população, quer subsidiando a formulação de políticas públicas, pelo descobrimento de novos recursos, técnicas ou métodos terapêuticos, quer entre tantas outras formas de devolver o produto do trabalho dos pesquisadores à comunidade, de modo que as desonestidades científicas refletem em todo o conjunto que abrange as comunidades científicas, até a população em geral, além de constituir ato espúrio perante a legislação do país.
Portanto, as discussões sobre a fraude científica devem abranger toda a sociedade, visto que suas consequências não se restringem às academias, mas afeta direta e negativamente nossas vidas diariamente 4 .
Esse estudo parte do pressuposto de que, a partir de seus resultados, será possível ampliar as reflexões sobre os aspectos bioéticos que envolvem as fraudes científicas, as quais, por sua vez, poderão viabilizar mecanismos de controle, almejando uma produção de ciência com qualidade e respeito.
Assim, este artigo tem como questões norteadoras: o que a literatura apresenta sobre a fraude científica? Até onde vão as questões éticas nas publicações científicas? Com vistas a responder a esses questionamentos, esta pesquisa objetiva, analisar a literatura existente sobre a fraude científica e seus aspectos bioéticos.
Metodologia
Trata-se de uma pesquisa descritiva, do tipo revisão integrativa da literatura, que consiste em um método de pesquisa científica que objetiva conhecer e tecer uma análise crítica sobre as evidências de um tema em questão, de modo que seu produto final permite identificar lacunas e fornecer conhecimentos aprofundados sobre o tema investigado 5 .
Para a realização dessa revisão integrativa foi realizado um levantamento bibliográfico na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), a partir das bases de dados, Scielo (Scientific Eletronic Library Online) e LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), no período de abril de 2015, através dos descritores “plágio” e “fraude científica”.
Os critérios utilizados para a inclusão dos artigos foram: artigos escritos no idioma português; publicado nos últimos 10 anos; que fossem disponíveis em texto completo; e que atendessem ao objetivo proposto. Foram excluídos, editoriais e diretrizes.
A princípio, pelos descritores e suas combinações, surgiram 5686 estudos. No entanto, após a aplicação dos critérios de inclusão, foram selecionados 7 artigos. Após essa seleção, as seguintes etapas foram seguidas: leitura dos resumos e, posteriormente, leitura do artigo na íntegra, observando se realmente contemplavam ao objetivo do estudo e nova leitura, de forma analítica e crítica, para extrair os resultados e características relevantes.
Para a análise dos dados e síntese dos artigos foi utilizada uma figura sinóptica, contemplando as seguintes características: Periódico/Ano; Título; Autoria; Procedência; Objetivos; e Resultados. Na sequência, a discussão foi realizada fundamentada pela integração de outros estudos que tratavam da temática da preservação dos aspectos bioéticos frente às publicações científicas e fornecessem embasamento às categorias emergidas dos resultados do presente estudo.
Resultados
Esta revisão integrativa foi, assim, composta por 7 artigos que atenderam aos critérios de inclusão estabelecidos. Desses artigos, 5 foram encontrados na base de dados da Scielo e 2 na base de dados da LILACS, sendo apenas um, de origem internacional. Esta e demais características são visualizadas no quadro sinóptico 1, seguinte.
Para nortear a discussão foram identificados três eixos temáticos, a saber: histórico da fraude científica; Fraude científica e implicações bioéticas; e medidas adotadas. Os artigos que originaram o eixo temático, histórico da fraude científica, foram aqueles que apresentaram os motivos que levam à disseminação da fraude na ciência e seus marcos históricos; o eixo temático, fraude científica e implicações bioéticas foi originado de artigos que apresentaram os diferentes tipos de fraude científica e suas implicações para o pesquisador, ciência e sociedade; já o eixo temático, medidas adotadas, foi criado a partir dos artigos que apontaram estratégias que vêm sendo utilizadas para minimizar, ou, quem sabe, coibir as más condutas na ciência.
Discussão
Por meio das análises dos resultados foi possível perceber que nenhum dos artigos abordou diretamente a fraude científica e sua relação com a bioética. No entanto, em todos os artigos analisados constatou-se que a fraude científica é uma prática maléfica e desrespeitosa, contradizendo, portanto, as questões bioéticas. Foi nesta perspectiva que emergiram 3 eixos temáticos para orientar essa discussão.
Histórico da fraude científica
A preocupação com questões éticas envolvidas nas publicações científicas existe há muito tempo, sendo visualizada em âmbito mundial através de discussões que distintos países promovem, na tentativa de conscientizar pesquisadores e subsidiar a elaboração de dispositivos legais para orientar os comportamentos dos cientistas, de modo que a fraude científica não consiste em um fato novo 4 .
Nesse sentido, Hossne e Vieira 13 apontam que a fraude é tão velha quanto a humanidade, sendo apresentado em seu artigo diversos casos de fraude científica, que envolvem plágios, falsificação, duplicação, fabricação e destruição de dados, e datam desde 1996 a 2005. Um dos casos relatados nesse estudo refere-se ao texto que mais chamou atenção na pesquisa envolvendo células-troncos, em que um cientista coreano, que teria sido pioneiro na produção de embriões humanos clonados, forjou os dados, de modo que, na realidade, embriões humanos não foram clonados 14 .
Dessa forma, apesar do plágio e demais tipos de fraude científica ser um problema de longa data no contexto histórico, o cenário em que eles se inserem na atualidade apresentou mudanças, de maneira que diante as atuais discussões éticas e de integridade na ciência, condutas fraudulentas são inaceitáveis 4 .
Apesar de inaceitáveis, destaca-se, entretanto, que essas condutas fraudulentas são motivadas por questões relacionadas à personalidade, passando por razões características da atualidade, como o crescente número de pesquisadores e as competições entre eles, seja por verbas ou reconhecimentos; a pressão pela publicação e a necessidade que um pesquisador tem em ser renomado e alcançar status e poder, podem fazer com que os pesquisadores atropelem os aspectos éticos 13 .
Acrescenta-se, ainda, que a maior visibilidade da fraude em pesquisas científicas no contexto atual deve-se também ao maior acesso à Internet e ao desenvolvimento de programas de computador que facilitam tanto a detecção de fraudes, quanto a sua efetivação 15 .
Fraude científica e implicações bioéticas
A segunda classe temática demonstra que um cientista, ao exercer sua atividade de pesquisa, deve observar deveres oriundos dos valores éticos próprios aos cientistas, passando pelos mais gerais, como o respeito a integridade física, moral e psicológica dos seres humanos e animais. No que se refere aos valores éticos inerentes aos cientistas, o que vem sendo chamado de integridade científica, trata-se daqueles valores conferidos aos cientistas, devido ao seu compromisso com a construção da ciência como bem coletivo, de modo que o pesquisador deve privar-se de agir de maneira intencional ou negligente, impedindo ou prejudicando esse trabalho coletivo de construção da ciência e apropriação coletiva de seus resultados 16 .
No entanto, o que se tem observado é que alguns cientistas estão produzindo ciência sem observar tais valores, comprometendo a qualidade e integridade da pesquisa. Nesse sentido, observa-se que o número de publicações tem crescido, no entanto, paralelo a essa crescente ascensão científica, a ciência perde seu sentido, na medida em que produz conhecimentos que são questionáveis, visto que os valores éticos, morais e a honestidade, têm ficado latentes.
Existem diferentes tipos de más condutas na ciência, os quais compreendem a fabricação e falsificação de dados, o plágio, o auto plágio, a ocultação de conflitos de interesses, o armazenamento inadequado dos registros da pesquisa, a retenção de informações e a omissão de dados 16 .
A fabricação de dados refere-se à invenção de itens da pesquisa e a falsificação por sua vez, trata-se da modificação dos dados, ou sua omissão, para que o pesquisador consiga garantir sua hipótese, de modo que a pesquisa não seja representada com precisão 17 .
O plágio, entretanto, consiste em um tipo de fraude científica muito frequente, sendo conceituado como a utilização de ideias de outros autores sem as devidas referências, fazendo com que opiniões se apresentem sob nova autoria. Ressalta-se que se configuram como plágio, mesmo se essas idéias estejam em outros idiomas 18 . O autoplágio, por sua vez, compreende a republicação de resultados como se fossem inéditos, sem fazer menção à publicação anterior 19 .
Destaca-se que o plágio representa violação tanto moral, quanto legal, de direitos autorais e propriedade intelectual 20 , acarretando danos ao autor que cometeu o plágio, devido os prejuízos morais, profissionais e financeiros e ao verdadeiro autor do texto plagiado que vê sua opinião ser apropriada por outrem 21 .
No que se refere aos conflitos de interesses, muito comuns nas pesquisas médico-farmacológicas, em que é necessário que as indústrias farmacêuticas formem parcerias com instituições e médicos pesquisadores, através do financiamento da pesquisa, para que o teste clínico seja realizado, salienta-se que estes têm caráter voluntário. Não existe um controle sobre o mesmo, o que pode comprometer a qualidade da pesquisa científica, alterando resultados e trazer repercussões negativas à saúde dos participantes e demais seres humanos, devido aos efeitos adversos que podem ocasionar 10 .
Embora muitas vezes seja considerado apenas como um mau comportamento e desvio leve, os problemas relacionados com a autoria em trabalhos científicos são bastante comuns, observando-se inclusão de nome de pessoa em trabalho dos quais essa não participou, por exemplo, quando um professor, ou líder de algum grupo exige que seu nome seja incluso em trabalhos realizados pelos pertencentes ao grupo ou quando é incluso o nome de uma pessoa reconhecida na área da pesquisa, para aumentar as chances de publicação e exclusão de nomes de indivíduos que realmente tenha participado do trabalho, em casos, por exemplo, de desentendimentos e disputas entre pesquisadores 7 .
A ciencia deve avançar, porém esse avanço deve ser realizado, obedecendo preceitos éticos e respeitando a dignidade humana 1 . A desonestidade científica gera resultados científicos inúteis, de modo que todos os esforços, investimentos, são jogados fora, além de representar um sério risco à humanidade devido aos danos que podem causar.
Medidas adotadas
O terceiro eixo temático diz respeito à conduta diante da fraude científica. Azevedo 22 salienta que os desafios éticos na ciência nasceram no século XX e perduram até os dias atuais, clamando por posturas éticas, tanto na produção de conhecimentos, quanto nas aplicações de seus resultados.
Russo 4 , ao considerar a preocupação com a integridade e as questões éticas na ciência, admite que esta surgiu nos anos 80, nos Estados Unidos, através dos relatos de fraudes científicas realizadas em instituições de prestígio, por pesquisadores renomeados. Fatos que logo foram disseminados na mídia e ganharam repercussão, não apenas em âmbitos institucionais, mas na sociedade como um todo, fazendo com que as universidades americanas e, posteriormente, as européias, elaborassem códigos de condutas, aspirando à ética e à integridade na pesquisa. Assim, foi criado nos EUA, no ano de 1992, o Office Research Integrity (ORI) 4 , e em 1997 o Committe on Publication Ethics (COPE) 18 .
No Brasil, o conceito de preservação da integridade humana no campo da pesquisa nasceu com a criação da resolução nº 196 de 1996, do Conselho Nacional de Saúde, que instituiu o sistema CEP/CONEP, ampliando as questões sobre ética na pesquisa 22 . No entanto, esse sistema não se responsabilizou pela fiscalização da integridade na pesquisa, de modo que essa função fica a cargo das instituições e comunidades científicas, visto que o país não conta com um órgão específico para identificar a desonestidade na ciência e adotar medidas punitivas 23 .
Cabe ressaltar que os episódios de fraude divulgados pela imprensa fizeram com que esse problema passasse a ser de interesse da sociedade e das agências de fomento e governos, sendo exigidos, portanto, uma maior vigilância sobre a problemática e criados mecanismo para conter, aplicar sanções e acompanhar os casos de fraudes científicas 4 .
Por conseguinte, em maio de 2011, foi criada uma comissão no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, formada por cientistas experientes, com o objetivo de propor diretrizes para a ética e integridade na ciência 24 e em setembro do mesmo ano, publicado pela Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (FAPESP), o Código de Boas Práticas Científicas, também, com a finalidade de implantar uma cultura de integridade ética da pesquisa 25 .
Além desses dispositivos legais, vêm sendo discutidos critérios de autoria, visto que muitos pesquisadores se juntam pra alcançar elevados índices de produção, cometendo, muitas vezes, maus comportamentos em relação à autoria 7 e também programas anti-plágios tem sido desenvolvidos e aderidos por diversas instituições e editores de revistas, para facilitar a detecção e combate às fraudes 12 .
Ressalta-se, entretanto, que a desonestidade científica deve ser tomada como um desafio para instituição, pesquisadores, professores e sociedade, pois o envolvimento de todos é fundamental na adoção de uma postura ética pelos futuros pesquisadores, seja através da transmissão de bons exemplos, ou através de ementas que contemplem o conteúdo nos cursos, ou ainda através de sanções adotadas pelas instituições, na tentativa de coibir os comportamentos inadequados, visto que se estas posturas éticas forem introduzidas no âmbito das instituições de ensino superior e entre profissionais de saúde, nossa ciência apresentará maior veracidade e, portanto, mais qualidade 8 .
Considerações finais
Os pesquisadores e acadêmicos devem estar sempre revendo suas posturas éticas diante das publicações científicas, pois motivados pela vasta ascensão da ciência, ampliação dos programas de pós-graduação, a precisão de títulos e formas de avalição da produção, que passou a ser quantitativa em detrimento da qualitativa, passaram a produzir conhecimentos científicos inadequados e inaceitáveis, pois infligem aspectos éticos e morais.
Os resultados desse estudo evidenciaram que existem ainda lacunas sobre as fraudes científicas, especialmente, relacionando-as aos aspectos bioéticos no cenário brasileiro, sendo constatado que, apesar do reconhecimento e grande preocupação com o tema, o país não conta com um órgão regulatório, capaz de exercer o controle sobre a ética na ciência.
Constatou-se, também, a importância da participação articulada entre instituições, agências de fomento, pesquisadores e sociedade para coibir as más condutas na ciência e, portanto, fazer os conhecimentos progredirem dentro de padrões éticos.
Logo, verificou-se que o objetivo proposto nesse estudo foi alcançado, sendo realizada a análise da literatura existente sobre a fraude científica, relacionando-a às questões bioéticas e, possibilitando, ampliar as reflexões sobre a temática, com vista a adoção de comportamentos mais fidedignos e éticos nas publicações científicas.
Resumo:
Introdução
Metodologia
Resultados
Discussão
Histórico da fraude científica
Fraude científica e implicações bioéticas
Medidas adotadas
Considerações finais